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terça-feira, 1 de junho de 2010

Xícara e não caneca

Sim, porque existem algumas grandes diferenças entre as duas. Nem tanto pela forma mas pelo que representam.
As xícaras possuem como forma principal as linhas arredondadas. Sua boca possui formas redondas perfeitas ou levemente ovaladas. Mesmo em xícaras mais modernas e retas, a boca, ainda assim, tem alguma leve curvatura.
Além disso, tem a alça, sempre cheia de sinuosidades e dos mais diversos estilos:
- antigas, meio barrocas: cheias de rococós;
- art-nouveau: com alças que parecem folhas, ramos, asas;
- quem sabe meio art-decó: com formas geométricas mas bem definidas.
E outros estilos... Mas nenhum deles escapará de algo sinuoso, leve e arredondado.
Com certeza você tem alguma xícara aí por perto. Então pegue, analise. Se possuí-las de estilos diferentes coloque em sua frente e observe as sinuosidades que também estarão presentes em sua base e no contorno. Algumas xícaras possuem pé e aí, também, você encontrará as formas sinuosas.
Disse que começaria falando do feminino e é isso mesmo que estou fazendo; porque o feminino é o sinuoso, seja ele mais aberto — totalmente redondo — ou mais fechado — como nas formas mais ovais.
A linha curva é característica do feminino, é a sua linguagem sinestésica. Então a xícara é um objeto puramente feminino. Não confunda essa afirmação com o fato de a palavra ser feminina — uma xícara — e também não ache que a xícara deve ser usada apenas por mulheres. Existem xícaras com estilo, cor e pinturas mais masculinas do que femininas. Estamos falando aqui da forma, e não da palavra.
Então já temos a primeira relação objeto e design: o feminino das sinuosidades.
Agora, para que serve uma xícara? Em xícaras não se tomam líquidos gelados.
Alguém aqui pode até usá-la assim, mas realmente não foi feita para bebermos água, leite ou chá gelado ou sucos e refrigerantes. Normalmente para isso se usaria um copo ou até mesmo uma caneca — caneca de chope, por exemplo.
Xícaras foram feitas para líquidos quentes, por isso tem pires, por isso são mais delicadas.
O quente, o calor, é mais delicado que o frio. O frio é cortante; o calor é estonteante. Nos cobrimos no frio, nos despimos no calor.
No inverno tomamos líquidos quentes para ter mais aconchego. Aquecemos a casa para ter mais conforto. Ou seja, o quente sempre está associado a sensações delicadas, leves, gostosas. Nos abraçamos, nos beijamos e isso dá calor, esquenta.
O amor é quente. Então temos aqui outra associação no design de uma xícara: o calor humano, a sensualidade, o amor, o sexo.
E essa linguagem mais sensual continua no modo que usamos uma xícara.
Usando uma caneca, mesmo com alça e com líquido quente, podemos segurá-la e volta, envolvendo nossas mãos pela caneca toda ou segurando pela alça, que em caso de canecas normalmente são mais grossas e menos delicadas.
Já uma xícara, por causa de sua forma, é muito mais difícil segurá-la em volta. A alça se faz necessária, passar o dedo por dentro da alça é necessário e este é um gesto sensual. Xícaras possuem pires que são usados sempre juntos e existe um encaixe entre as duas formas. São duas formas redondas, mas ainda assim um pires é mais plano, mais reto.
O ato de pegar uma xícara e levá-la à boca é uma ação mais leve, mais delicada.
Então podemos dizer, com certeza, que xícaras são femininas, sensuais e delicadas. Por isso histórias com xícaras sempre têm um tom mais romântico e lembranças mais amorosas.
No trecho de conto que encerra este artigo, tente transformar a xícara em caneca e você perceberá a diferença entre os dois objetos [...]
Isso me fez lembrar da minha mãe, que também adorava miniaturas de xícaras. Lembro-me muito bem de um móvel em miniatura que tínhamos na cozinha de casa — na verdade tínhamos dois destes — onde existiam miniaturas de xícaras. Eu mesma a presenteei e também acabei quebrando algumas de suas xicrinhas.
Também me lembro da última vez que compramos um jogo completo de xícaras que hoje estão comigo aqui em casa. Xícaras grandes, redondas, amarelas com flores delicadas em azul. Lembro-me de tomar café com minha mãe e eram momentos assim alegres, amarelos como o sol, delicados e leves como pequenas miosótis azuis.
São lembranças leves, delicadas e aconchegantes como uma xícara.

Márcia Okida (designer gráfica, professora universitária), junho de 2010
Texto publicado originalmente no site Artefato Cultural

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