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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A xícara azul

Na cristaleira da sala ficava ela, uma linda xícara de porcelana pintada de azul, recoberta por uma camada que aumentava o brilho e conferia as vezes um tom furta cor. Ao seu lado uma outra xícara mesmo tamanho e formato pintada de rosa. Mas a que mais me atraia era a xícara azul.
Raramente minha avó usava essas xícaras. Ficavam guardadas para as visitas ou para ocasiões especiais. Eu ,ainda pequena, olhava desejosa de poder um dia ter tamanho suficiente para pode tomar um delicioso café com leite na xícara azul.
Ainda menina, por volta dos meus seis ou sete anos perguntava à minha avó se quando me casasse me daria a xícara de presente de casamento. A resposta as vezes vinha num sorriso ou apenas silêncio que eu, ansiosa, interpretava como sim e ficava imensamente feliz. Outras vezes ela me olhava e dizia ; “Mas e se até você se casar a xícara quebrar?” E eu dizia : “ Do jeito que a senhora cuida dela ela não vai quebrar nunca e a senhora sabe que eu quero ela de presente de casamento”.
Esse assunto sempre vinha à tona quando ficávamos sentadas na sala ouvindo rádio, que mais chiava do que qualquer outra coisa, ou quando minha avó tirava as louças da cristaleira para limpá-las. Anos e anos depois de muita insistência, um dia minha avó me disse : “Ta bom, no dia em que você se casar pode vir em casa pra buscar a xícara.”
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo... Corri até minha avó, pulei em seu pescoço e comecei a beijá-la... Minha avó era uma mulher muito séria, brava não gostava de muitas liberdades. Ela me repreendia e me beijava com olhar... Ensaiou uma bronca pelos meus modos , mas não teve tempo porque aproveitei a oportunidade e pedi também uma panela de ferro que sido de sua mãe, minha bisavó Paulina . Minha avó achou graça e disse : “Ta bom! Pode levar mas acho que seu marido não vai gostar de ter tanta coisa velha dentro de casa“. Nem liguei para esse comentário, estava feliz demais pra pensar nisso, até porque eu já tinha garantido o mais lindo presente que podia ganhar em toda a minha vida: a xícara azul!
O tempo passou, não custou a passar, mas minha avó sucumbiu ao peso do tempo, ao peso da vida sofrida que teve. Uma vida inteira de trabalho duro, trabalho na roça. Ficou viúva ainda muito jovem mas carregou com destemor, com bravura a responsabilidade de criar seus três filhos. Infelizmente nos deixou no mesmo no ano em que me casei...
Quando retornei da viagem de núpcias passei na casa em que minha avó morava, onde meu tio, irmão caçula de minha mãe, ainda morava e conservava tudo do mesmo jeito, era como se minha avó ainda estivesse lá. Meu tio sabia do nosso acordo e me autorizou a pegar os meus presentes. Fiquei desapontada ao ver que minha xícara servia como bebedouro numa das gaiolas de passarinho. Pensei na xícara rosa, seu destino foi pior porque há muito tempo tinha sido quebrada. Minha linda xícara azul perdera o tom furta cor, perdera o brilho mas para mim carregava uma beleza que não sabia descrever. Lavei minha xícara peguei minha panela de ferro e fui para a minha nova casa, começar uma nova vida. Naquele momento toda a minha vida estava pintada de azul...
Logo em seguida, minha vida ganhou novas cores com o nascimento do meu filho. Diariamente sorvia minhas porções de felicidade, as vezes numa simples xícara de chá ou de café com leite.
O tempo passou, e ainda bem que passou, porque nossa vida acontece no tempo que passa... E nesse tempo experimentamos as quedas, as perdas, feridas que se tornam cicatrizes, as alegrias , as tristezas as derrotas, as vitórias enfim tudo o que nos confere a condição ímpar de viver .
Ainda tenho minha xícara azul, hoje , a beleza que ela contém representa a lembrança da minha infância pobre, simples mas com muita alegria, união, respeito pelas pessoas, principalmente pelos mais velhos. Lembrança de felicidades pequenas escondidas numa bala de fita, num cheiro impregnado no ar de tacho de doce de abobora apurando no fogão de lenha, cheiro de café coado em coador de pano, o farfalhar da palha do colchão da cama da minha avó. Enfim me faz lembrar a minha avó e tudo o que ela representa na minha vida: aquela figura miúda,de pouca estatura , sempre com chapéu de palha ou lenço na cabeça. Trazia sempre um avental preso a cintura, as mãos grossas, calejadas pelo trabalho árduo... quando já bem velhinha pegava minhas mãos e dizia: " Que mãos bonitas! Parece mãos de professora!"...
Como é bom aprender a olhar além das aparências porque para mim essa xícara é revestida de lembrança, saudade e de amor. Para quem apenas vê não passa de uma velha xícara azul.

Tenho o maior prazer em postar este texto de Adenise Maria Costa, publicado originalmente no Blog do GOLP, grupo literário da minha querida Piracicaba (http://golp-piracicaba.blogspot.com)

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